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Alugam-se Reticências

Qual é a sua história?

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alugamsereticencias

Contadora de histórias e geminiana. Natural de São Paulo, Capital. Formou-se em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Entre suas grandes paixões, além dos contos dos outros, está sua própria história e a família. Prefere o inverno ao verão. A leitura à televisão. O sorriso ao choro. O ao vivo ao virtual. O improviso ao ensaiado.

O abc do amor de Khadija

É tarde. O sol já está se pondo próximo aos braços do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, e em uma das inúmeras salas das milhares de casas de Xerém é o silêncio que reina durante alguns segundos. Na televisão está Olga. Olga Benário. No sofá, acompanhando os passos da personagem, estão os olhos arregalados e concentrados de Khadija, que imita cada movimento e que sabe de cor cada fala:

– Se eu cair, eu não vou chorar!

Ao seu lado, está sua mãe Dayse que, imediatamente, posta em sua página no Facebook:

– Khadija está mais uma vez vendo ao filme de Olga. Hoje é um dia bom!

Há alguns anos, Dayse percebeu alguns comportamentos fora do comum em sua filha e achou estranho que com três anos de idade Khadija não havia pronunciado nenhuma palavra. Foi quando decidiu levá-la ao médico e…

– Sinto muito, mãe, mas sua filha tem autismo. Já se prepare, porque as tarefas de ler e escrever serão muito difíceis nessas circunstâncias.

Mas não para Dayse que, depois de alguns anos, colocou Khadija em uma escola especial com o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar. Quando chegava em casa, Khadija se sentava com a mãe e juntas realizavam alguns exercícios para o desenvolvimento da escrita.

– Vamos lá, filha… Nós vamos conseguir!

Dayse fazia letras com animais que correspondessem à escrita e, dia após dia, passava três horas fazendo o mesmo exercício. Durante o processo, fez questão de procurar em blogs, palestras e em conselhos de profissionais as milhares de dúvidas que não saiam de sua cabeça. Se não bastasse isso, ainda fez um blog para compartilhar o cotidiano das duas com outras mães e famílias que passavam pela mesma situação.

Até que certo dia, Dayse entrou no quarto e se emocionou. Era como se um filme com todas as consultas médicas com diagnósticos ruins passassem por sua cabeça. Naquele dia, Khadija estava sentada na cama da mãe com uma edição da revista Superinteressante e… lendo. A leitura não era perfeita, mas a menina só tinha seis de idade e conseguiu tamanha façanha depois de um tratamento intensivo de apenas UM mês.

Depois da primeira leitura não parou mais. Seu passatempo predileto até hoje é ler os gibis da Turma da Mônica e o Cebolinha, ah o Cebolinha, é seu personagem favolito. Tem até um boneco em casa! E seu “paidrasto” fez questão de assinar os gibis no nome de Khadija. Ela se sente toda vez que recebe a correspondência! Lê tudinho e se diverte sozinha lendo…

Com 12 anos, ela domina uma linguagem universal e quase que esquecida: a do amor. É com beijos e abraços que pede à Dayse tudo o que deseja, inclusive o filme de Olga, porque mesmo se houver dias ruins, Khadija vai cair, mas não vai chorar.

“Eu tenho autismo. Eu não sou somente “Autista”. O meu autismo é só um aspecto do meu caráter. Não me define como pessoa”.
“Eu tenho autismo. Eu não sou somente Autista. O meu autismo é só um aspecto do meu caráter. Não me define como pessoa” (Autor desconhecido)

Os sapatinhos de cristais de Amanda

O armário da mãe da menina de apenas três de idade não era um portal para Nárnia, mas continha um mundo maravilhoso de sapatos. As prateleiras eram recheadas de variedades de calçados e a pequenina Amanda se interessava por aqueles mais altos. Ela amava brincar de boneca, mas a hora mais divertida era quando pegava os sapatos da mãe e saia desfilando pela casa toda! Era “toc toc” pra cá. “Toc toc” pra lá.

Quando recebia visitas, esperava cada uma delas se sentar no sofá. No momento em que as mulheres cruzaram as pernas e as sandálias ficavam a mostra era o momento de Amanda “atacar”. Ela fazia todas tirarem os sapatos para que pudesse experimentar e ver como ficavam nela.

– Amanda, você está fazendo aquilo de novo? perguntava a mãe de forma brava!

Mas ninguém ligava. Até riam da atitude da menina:

-Imagina! Deixa ela… Está uma graça com essas sandálias maiores que os pés.

A paixão de criança fez com que ela tentasse mais tarde a carreira de modelo e nos cursos de passarela aprendeu, de verdade, a andar de salto alto. Andava de um jeito tão elegante que até mesmo as princesas da Disney morreriam de inveja!

Depois de grande, o salto continuou sendo sua melhor companhia e a intimidade passou a ser tão grande que quando resolve compartilhar os momentos com a outra amiga, a sapatilha, tropeça e cai, algo que nunca fez com o salto!

Ultimamente, os dois dividem uma dupla jornada: de dia vão ao trabalho e a noite, principalmente aos finais de semana, se vestem de Cinderela para divertir e entreter milhares de crianças em suas festas de aniversário. Juntos conseguem levar à todas elas o principal objetivo da magia: tornar incrível o que os adultos banalizaram depois que o sino toca e informa que é meia-noite. Por isso, Amanda nunca desce do salto. Ela sempre será uma eterna criança.

-“Toc toc”…
– A Amanda e seu salto vem aí…

Foto: Kaline Barros
Foto: Kaline Barros

A conjugação do amor

Assinado: Do teu pai imperfeito, Wiliam.

É assim que ele costuma assinar as mensagens que publica para seu filho Guilherme, em uma página dedicada a ele no Facebook.

Força, Gui é o que todos costumavam dizer para o ainda menino de 21 anos que lutava, mais uma vez, contra um câncer. Mas Guilherme era forte, não gostava de falar com ninguém sobre a doença e quando perguntavam como estava, só abria um sorriso de ponta a ponta respondendo:

– Estou bem!

Era o filho e melhor amigo de Wiliam. Foi o pai que o ensinou a nadar, a jogar bola, a gostar de música pura e até a difícil tarefa de decorar a tabuada.

Quando foi diagnosticado, seus pais insistiam em falar que…

– Agora tudo será conjugado na primeira pessoa do plural. Nós estamos com câncer. Nós vamos lutar contra ele. E nós vamos vencê-lo!

Enquanto os três (pais e filho) ficavam internados no hospital, a página na rede social era preenchida com mensagens de amor, de orações e de uma esperança nunca ainda vista em um lugar virtual.

Um dia, Wiliam e Guilherme perceberam que muitos parentes das pessoas que ficavam internadas no hospital não tinham onde ficar. Muitos acompanhantes esperavam o tratamento sentados nas calçadas e nas cadeiras das salas de espera. Foi então que os dois tiveram uma ideia:

-Vamos montar um instituto para abrigar, de graça, cada uma dessas pessoas.

Depois de alguns meses, a música de Guilherme estava a ponto de terminar. Ele fez o pai jurar que o projeto sairia do papel…

– Nosso sonho vai virar realidade, filho.

Aquelas seriam as últimas palavras que Gui ouviria antes de descansar.

Com toda a força do mundo, Wiliam compartilhou com todos no “Força Gui” a triste notícia. Não teve um que não se emocionasse com a garra tão grande do pai. Todos, naquele momento, também conjugavam o verbo amar na primeira pessoa do plural.

– Não te tenho aqui fisicamente, meu filho, mas te abraço com o coração e em todas as orações que faço peço para Deus nos proteger até o nosso reencontro. E ah, meu filho! Nosso sonho virou realidade. O Instituto Força Gui já atendeu mais de 150 pessoas e não param de chegar voluntários para nos ajudar. Ainda sou um pai imperfeito, só não fui mais, porque você me ensinou muito. Me ensinou como bem sofrer e como viver com alegria independente de qualquer sofrimento. Nossa música nunca vai parar de tocar. Nós vencemos. Obrigado! Assinado: Do teu pai imperfeito.

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Foto: Arquivo pessoal

O fugitivo do amor

Foi em um casamento de uma amiga em comum que tudo começou. Ela, toda linda e produzida, saiu de casa com o pensamento de que, “se não for hoje, não será nunca mais!”. Ele só pensava em voltar para casa cedo e ficar com os filhos.

Mas antes da história acontecer, outros casamentos tiveram que se desfazer. Meiry era casada e teve um filho, o Guilherme. Josi também. Depois do término do relacionamento, ele teve que assumir uma responsabilidade ainda maior: ser mãe e pai ao mesmo tempo dos filhos Juliany e Josimar Filho, que foram morar com ele.

Os caminhos dos dois se cruzaram em 1999, quando Josimar foi trabalhar na mesma empresa que Meiry. No início, dividiam o mesmo ambiente sem nenhuma pretensão de terem algo. Compartilhavam problemas e soluções do dia a dia como quaisquer outros colegas de escritório.

Até que depois de tentar engatar um relacionamento que não deu certo, Meiry um dia olhou diferente para Josi. Ela sabia que tinham várias coisas em comum e colocou na cabeça que aquele homem seria dela. E a partir daí, começou a árdua luta para conquistá-lo.

Praticamente todos os dias, Meiry chegava perto de Josi e o pedia em namoro. Assim… na maior cara de pau! E ele, tímido que só, apenas sorria e falava que não queria entrar em um relacionamento sério.

O extinto MSN foi prova das investidas de Meiry e das negativas de Josi. Os próprios filhos dele, que já estavam namorando, o incentivavam a encontrar uma pessoa, mas ele tinha receio… muito receio!

Em 2008, na noite do casamento de uma amiga em comum, Meiry chegou, o puxou, o beijou e disse:

– Eu precisava fazer isso!

E ele, então, respondeu…

– Então, fica… Eu te levo pra casa depois.

No dia seguinte, ele já estava na casa dela conhecendo a sogra. Um ano depois, eles já estavam de casamento marcado. Meiry consegue tranquilizar Josi. Com ela não tem tempo ruim. Nunca se preocupou com nenhum problema, porque sabia que juntos iam conseguir resolver. É uma eterna moleca. Josi é o super pai, o super marido, o super tudo. É a vida dela.

Juntos, Meiry, Josi e cada um de seus filhos tornaram-se uma única família, que já deu frutos com o primeiro neto, filho de Juliany. Continuam trabalhando no mesmo ambiente de trabalho e não tem essa de “entre tapas e beijos”, porque o homem fugitivo do amor disse SIM a tempo de ser feliz para sempre com sua eterna namorada.

Josi e Meiry: Eternos namorados
Josi e Meiry: Eternos namorados

Vidas cruzadas

Ela era um ser vivo frágil que passava por “maus bocados”. Ele era um ser vivo frágil e que também passava por “maus bocados”. Ela estava cansada da vida que levava no trabalho, do assédio moral que vivia e do trabalhão que um relacionamento estava dando na época; era tudo muito complicado. Ele estava cansado de ser abandonado e de andar por aí sem destino, também dava um trabalhão danado procurar, toda noite, um lugar para se esconder do frio; era tudo tão solitário. Até que um dia ela se perdeu dela mesmo. Decidiu largar emprego, namorado e resolveu mudar. Até que um dia ele ficou com vontade de andar quilômetros de distância. Decidiu que merecia um lugar, de verdade, para se habitar e resolveu seguir em frente… e em frente… e em frente.

Ela chegou a se perguntar várias vezes, “O que estou fazendo da minha vida?” Ele não conseguia pensar em nada, só andava cada vez mais em frente. Até que, de repente, ela decidiu fazer algo que poderia curá-la de toda aquela angústia. O tratamento não seria realizado por médicos, remédios e muito menos por outros meios alternativos, mas com amor. Com muito amor. Até que, de repente, ele encontrou um lugar que poderia ser a cura para suas dores, já que andou durante muito tempo. O tratamento não seria realizado por médicos, remédios e muito menos por outros meios alternativos, mas com amor. Com muito amor.

O Centro de Controle e de Zoonoses, de São Paulo, foi onde ela resolveu começar seu tratamento. Decidiu ser voluntária e ajudar a cuidar de animais resgatados das ruas, depois de serem abandonados. O Centro de Controle e de Zoonoses, de São Paulo, foi onde ele resolveu ficar para começar seu tratamento. Decidiu ser cachorro e ajudar a cuidar dos seres humanos machucados, depois de abandonarem seus sonhos.

No primeiro dia dela, ela passeou com um vira-lata com conjuntivite, medroso, mas extremamente carinhoso. No primeiro dia dele, ele passeou com uma menina com olhos brilhantes, medrosa, mas extremamente carinhosa. Se apaixonaram. Ela chegou a dizer em voz alta, “Bonitão, você tem cara de Billy”. Ele latiu como forma de aprovação, “Ei, eu gosto de ser chamado de Billy”.

Ela resolveu adotá-lo, mas como a casa que morava em São Paulo era pequena teria que levá-lo para o interior, na casa dos pais. Ele resolveu ser adotado. Estava feliz com a ideia de ter um lar de verdade e iria adorar morar no interior. Só que tinha um problema. Não tinha como levá-lo até lá. O táxi-dog ficaria muito caro; mil reais em apenas uma viagem. Então, ela teve uma ideia. Mandou e-mails para todas as ONG’s protetoras de animais que conhecia pedindo sugestões de como poderia obter a “grana” para levar o Billy até a casa dos pais. Uma das protetoras, Regiane, a presenteou com a rifa de uma cesta e que cesta! Se conseguisse vender tudo poderia levar Billy com o táxi e serem felizes para sempre. Em menos de dez dias, conseguiu vender “tudinho”, mas ainda assim o dinheiro não foi o suficiente.

Enquanto isso, Billy não deixava com que ela, a Juciara, perdesse a esperança. Um dia, ela conversou com um de seus amigos, o Marquinho, e contou sobre a situação. Para alegria de todos, ele falou, “Eu levo vocês. E de graça!”

Quando Juciara chegou na casa dos pais ficou aliviada, finalmente, Billy teria um lar. Quando Billy chegou na casa dos pais de Juciara ficou aliviado, finalmente, ele teria um lar de verdade. Onde Juciara ia, Billy ia atrás. Na cozinha, no quarto, no quintal e até no banheiro. “Billy, isso lá é hora de me seguir?”. Foi a partir daí que Billy ganhou um sobrenome. Era o Billy Chulé!

Como Juciara morava na capital teve que deixar Billy com os pais, mas sempre ia visitá-lo. O tratamento de amor estava fazendo um efeito tão grande, mas tão grande, que ela voltou a trabalhar, estudar e a se sentir muito mais forte. Enquanto ele se recuperava lá, ela se recuperava aqui.

Hoje, ela é um ser vivo forte que passa por bons momentos. Hoje, ele é um ser vivo forte e que também passa por bons momentos. Juntos eles perceberam que nunca estarão sozinhos. Juntos eles souberam que na vida, apesar de tudo, deve-se seguir em frente… e em frente… e em frente!

Juciara e Billy Chulé
Juciara e Billy Chulé

Vamos brincar de caquinhos?

Do interiorzão do Paraná, de uma cidade chamada Jaguapitã, a Dona Clarice e Seu João se mudaram com seus oito filhos para a Rua Boiadeiro, no município de Cruzeiro do Oeste, também no estado paranaense. Única menina entre tantos gurizinhos, Aparecida Antonia, mais conhecida como Cida, era pra lá de espevitada e quando não estava atormentando seus irmãos (ou cuidando deles) arranjava formas diferentes de se divertir. Como a família era pobre e as crianças não tinham brinquedo, a pequenina aproveitava os cacos de vidro das louças que espatifavam no chão para brincar.

–  Vamos brincar de caquinho?

Às vezes, partes inteirinhas sobravam dos cacos e os olhos da menina se enchiam de brilho. Quando ela tinha um cabinho de xícara inteiro, nossa! Era uma raridade! Quando tinha uma florzinha então, achava o máximo!

Um dos lugares que Cida mais brincava era no cemitério desativado da cidade. A mãe dela pediu autorização para a prefeitura para poder plantar lá no terreno. E enquanto a mãe plantava as frutas e verduras, a menina brincava próximo a uma árvore giganteeesca!  Quando ajudava a mãe e os irmãos Zé Antônio, Barto e Jango na colheita, a menina levava alguns sustos.

-Mãe, isso aqui é um crânio?

– E isso aqui, mãe? Parece um fêmur… eca!

Quando a noite caia, Cida pegava seus caquinhos e ajudava seus irmãos a carregar as ferramentas do trabalho para casa. A rua era um breu só e na casa onde moravam só tinha lamparina. Eles também não tinham condições de ter água encanada, só havia  um poço para sustentá-los. Mas sempre souberam se virar muito bem com as coisas que tinham.

Assim, a menina continuou disseminando sua humildade para todos ao seu redor e transformando pequenas descobertas em grandes tesouros. Não dizem que filho de peixe, peixinho é?! Há muito dela em mim, afinal, ela é minha mãe e me ensinou que é juntando cacos que boas histórias e boas lembranças são construídas!

Foto: Kaline Barros
Foto: Kaline Barros

O melhor amigo de Juvenil

O juiz apita e a bola começa a rolar. A quadra pequena do bairro Estoril, em São Bernardo do Campo, é palco de sonhos grandes de gente ainda pequena. São meninos de dez a 12 anos de idade, no máximo, que disputam as melhores jogadas para se chegar ao tão esperado gol. Era ali que Juvenil e seu vizinho Carlinhos costumam passar as tardes. Os dois moravam no bairro há anos, mas somente com as partidas de futebol começaram a conversar e a se conhecerem melhor.

A paixão e a habilidade dos dois pelo esporte eram tantas que não durou muito para disputarem campeonatos por São Paulo. Paralelo a isso, estudavam na mesma escola e eram companheiros das festinhas e gandaias, que os aproximavam cada vez mais.

Um dia, depois de anos e um pouco mais crescidos, os dois estavam a caminho do futebol quando presenciaram uma cena que os marcaria para sempre. Eles estavam aguardando o semáforo abrir, até que uma mulher atravessou na frente de uma kombi sem olhar para os lados. Atrás do veículo, outro carro veio em alta velocidade e não conseguiu frear a tempo, atropelando a pedestre. Carlinhos, então, fez de tudo para ajudá-la, mas infelizmente, não conseguiu e ela acabou morrendo nos braços dele.

Naquele instante, Carlinhos – que prestava concurso para entrar na Polícia Militar – desistiu do curso e acabou mudando de rumo e se tornou bombeiro, pois o sonho dele era salvar vidas… muitas vidas!

Com a vida adulta, foi sobrando cada vez menos espaço para o futebol e menos tempo para se verem, porém quando se encontravam era uma festa só, como se nunca tivessem se separado.

Anos depois, os dois meninos tomaram, mais uma vez, rumos diferentes e acabaram mudando de emprego. Mas não foi só isso que mudou em suas vidas. Certo dia, ao voltar do trabalho, Juvenil atendeu o telefonema de sua cunhada e foi quando o mundo dele desabou pela primeira vez. Carlinhos havia morrido depois de fazer aquilo que ele sempre fez de melhor: salvar vidas.

Depois da ficha cair, o mundo dele quase desabou pela segunda vez. Mas Juvenil sabia que teria que ser forte pelo amigo. Sabia que tinha perdido um herói, mas que, mesmo de longe, seu melhor amigo o acompanharia sempre.

Juvenil e Carlinhos sabiam que o sucesso de uma partida de futebol se dava quando todos os parceiros estivessem bem e que a fé deve persistir mesmo quando a bola for lançada na trave.

Ponta superior esquerda: Carlinhos e meio na parte inferior: Juvenil
Ponta superior esquerda: Carlinhos e meio na parte inferior: Juvenil

As primeiras reticências

As paredes grossas de uma das salas da Maternidade Santa Catarina, na Paulista, não conseguiram abafar o choro estridente de uma menina que, bem na hora do almoço, resolveu dar as caras ao mundo. A mãe – suada, ensanguenta, cheia de dor – a colocou em seus braços, sorriu com os olhos e falou – num tom em que médicos, enfermeiras e todos que estavam ali conseguissem ouvir-:

– Que bostinha de grilo!

Era uma menina de 47 centímetros e 3,300 kg, tão pequena como… uma bostinha de grilo! Mas havia nascido com um nome, escolhido antes, muito antes daquele 23 de Maio de 1991.

Certo dia, Aparecida Antonia (a mãe) passeava pela rua, rumo ao trabalho. De repente, encontrou na calçada um frasco colorido e cheio de flores. Curiosa que só, a mulher não se contentou em ver, mas pegou o recipiente e viu que se tratava, afinal, de um perfume francês. Leu em voz alta e devagar, quase como se quisesse soletrar a palavra:

– KA – LI – NE!

No mesmo instante, sorriu e guardou o nome em sua cabeça. Quando se encontrou com Joaquim (o namorado) contou o ocorrido e disse:

– Eu quero que nossa filha tenha esse nome!

Kaline passou a ser sinônimo de juras de amor, promessas e até pedidos de desculpas:

– Eu te amo tanto quanto amarei Kaline um dia.
– Juro ser um homem melhor em nome da Kaline!
– Me perdoa pelo amor que temos pela Kaline...

Antes de Kaline veio Rafael, com seus pais há 5 anos casados. Aos quatro, Rafa soube que a mãe estava grávida de uma menina que o levou a dar pulos de alegria:

– A Kaline vem aí! A Kaline vem aí.

E veio. Para mostrar que toda história é uma maneira de tornar um momento eterno e que até mesmo uma simples bostinha de grilo pode ser importante para o mundo de alguém. Como todos nós somos!

– Prazer, KA-LI-NE e eu quero contar mais das suas reticências.

Uma das cartas escritas de Joaquim para Aparecida. Ano: 78
1978: Um dos inúmeros cartões de Joaquim enviados para Aparecida

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